Fotografia: Marie Cohydon
Quando pequena me achava incomum, hoje tenho a certeza. A certeza que tudo pode ser transformado com as minhas mãos, mãos pequenas e cheias de artifícios. É um fato, gostava desde aquela época de trabalhar com a minha imaginação e dar vida a pequenos objetos, o que hoje acredito ser a minha obsessão, meu chamado de vida? Quem sabe. Ainda não sei dizer, acontece que quando estou construindo uma calmaria imensa toma conta de todas as células do meu corpo, eu me regenero.
Na vida são raras as vezes que nos sentimos contemplados por algo, disso você caro leitor deve entender. Você entende? Bem por isso resolvi não abandonar a minha criança interior, continuei com essa obsessão. Na qual chamo de construção de miudezas, o que faço é construir esculturas que são milimetricamente pensadas e só podem ser observadas a partir de um microscópio. É o que tenho feito agora na minha vida adulta, a construção desses objetos e que em breve serão entregues a um outro alguém e enfeitarão suas casas, um pedaço de quem sou ficará em outro lugar, em outros corações. Digo que o que faço não é simples, é arte.
Existem alguns cenários que me vem à cabeça, que gostaria de te explicar, prazer meu nome é Marie. A minha história está sendo contada para você porque de alguma forma, a escritora deste texto escolheu a minha pessoa para poder dividir o meu mundo com outros leitores. A ideia dela é poder contar através de uma narrativa histórias de pessoas que nunca foram aos livros, um achado dentro de cada encontro com pessoas diferentes do mundo afora.
Bom são vários cenários, para iniciar gostaria de dizer como começo meus dias e algumas curiosidades.
Acordo muito cedo, gosto de uma coisa bem específica no período das manhãs, o silêncio e a tranquilidade de um começo de dia. Quando meu filho era menor trabalhava à noite, agora tenho tirado as manhãs para trabalhar nas esculturas. Em geral, o que faço é trabalhar em cima de duas esculturas ao mesmo tempo, isso me permite dar um tempo necessário quando me sinto presa em um trabalho. Gosto de caminhar para me distrair um pouco de descansar meus olhos, as vezes sinto que é necessário essa pausa. Estabeleci comigo mesma que ao meio-dia eu preciso parar, independente do que acontecer.
Uma das coisas que tenho gostado de fazer são pássaros em miniatura, para o processo de criação de uma ave por exemplo, tenho várias fotos à minha frente no início, escolho a expressão que mais gosto, e geralmente compenso com outras fotos. No início, começo por montar um esqueleto feito com pêlos de pincel montados com cola forte, é preciso manter as proporções, leva tempo. Para as asas, as coisas complicam-se, vou ter de fazer um papel de decalque especial que raspo, lixo primeiro para que seja o mais fino possível, o corte finalmente tem lugar. Eu corto tudo em duplicado, e triplicado, caso a asa voe no ar (o que acontece frequentemente) ao colá-lo. Terei também de lhe dar uma forma antes de a colar.
Enquanto tento colar as asas da ave, a cola tende a puxar para trás ao ser montada, o que atrapalha todo o processo. Evito ao máximo tremer, tento pegar outras coisas. Quando se trata de pintar, a aquarela é o principal na minha escolha e é ela que fará o milagre desta ave, a aquarela é muito líquida, tem o mérito de ser fluida, mas também o poder de afogar tudo o que faço num segundo e seca em 2 segundos, e ter de começar tudo de novo, pelo que é um passo bastante longo. Colocar a ave na base e nos seus pés é também muito perigoso. Se não colado o suficiente ou demasiadamente colado, é preciso um meio de vida feliz, torto ou direito, nunca ganho de antemão. O mais difícil é obviamente os detalhes, o acabamento, pode-se estragar tudo num piscar de olhos, partir a peça…
Se pararmos para pensar na fragilidade da vida, o mesmo acontece com as minhas esculturas. A vida é tão frágil, temos que estar atentos à pressão que colocamos nela para não sucumbirmos, mas acredite tudo que eu faço tem muito amor e empenho, digo: o que não cabe transborda, no meu caso transbordo em fantasia na beleza da vida.
Sou francesa, uma artista e autodidata. Comecei a esculpir tem mais de 10 anos e hoje digo que meu interesse pessoal é nas pequenas coisas, claro que tenho outros interesses também como espionar pássaros e andar no campo.
As árvores, o céu, o cheiro de folhas mortas, tudo o que vem da natureza e da vida selvagem fascina-me. Através do meu microscópio, não consigo ver minhas mãos ou meus dedos, desapareço, tenho a sensação de que apenas minha mente e meu coração permanecem para trabalhar.
Eu me torno uma espécie de fantasma por um tempo, ativo em uma área insignificante até mesmo para uma formiga. Este trabalho dá-me a oportunidade de me superar e tenho sempre a certeza de que, quando começar uma nova escultura, não ficarei desiludida. Me formei em Artes Plásticas, sempre gostei da natureza. Não é atoa que tento retratá-la.
Sou uma pessoa que acabou evoluindo no mundo do design de mobiliário, mais especificamente iluminação, e depois interessei-me pelas joias contemporâneas. Por isso comecei a esculpir em cera de joalheiro há 15 anos. Muito naturalmente, dei por mim a comprar um microscópio para fazer os detalhes. E um belo dia, coloquei-me num desafio num muito pequeno. Tenho contato com outros artistas, de outros lugares do mundo e isso tem sido uma forma de nos apoiarmos. É bom reconhecer que além do meu trabalho, existem outros seres humanos apaixonados por miniaturas. Nós discutimos técnicas e nos elogiamos, já falei com pessoas da Rússia, Sri Lanka, Índia..
O meu primeiro trabalho realizado para o meu filho, foi um Porsche. O meu batimento cardíaco estava a abrandar, a minha mente estava longe do stress, a vista aérea que a visão sob um microscópio pode proporcionar era muito relaxante, como uma espécie de viagem.
E isso foi bom, porque ao mesmo tempo, a minha vida privada, enfrentava o autismo do meu filho, uma provação para a qual eu não estava preparado e que causou muitas batalhas perante crises e gritos, stress e noites sem dormir… Para quem está no ramo artístico a arte é um encontro e é como um abraço.
Quando penso nas minhas artes, sinto-me honrada por poder criar esculturas que serão admiradas por alguém que vive do outro lado do mundo. Ao mesmo tempo, é difícil me desfazer delas..
A criação de obras de arte é uma espécie de extensão de nós próprios, como os nossos filhos, os nossos futuros netos, com a diferença de que, com eles, estamos em contato interativo e duradouro com eles.
Em média demoram de 1 a 2 semanas para realizar minhas esculturas. Muitas vezes é muito longo, porque o processo requer muitas etapas diferentes, muitas vezes é preciso raspar a cola forte da agulha cada vez que a utilizo, é muito demorado. O cálculo das proporções pode ser complicado porque é preciso recomeçar quando, na minha opinião, não é perfeito.
No início do meu processo com a arte foi muito difícil, parti muito as minhas peças à pressa, por falta de experiência com as ferramentas. Acho que assim como a vida, não podemos apressar o tempo das coisas. As coisas tem o seu devido tempo, o mesmo funciona no mundo da arte. Por fim, digo a você leitor: tenha contato com a arte, tenha contato com as miudezas do dia a dia.
Gostaria que houvesse mais contato real entre as pessoas, menos Internet, menos smartphone, menos televisão, menos jogos de vídeo, gostaria que as pessoas se comportassem menos como robôs e que houvesse mais amor.
Meu recado a você agora como escritora, experimente sair um pouco da zona de conforto, experimente o novo, ele é um leque de possibilidades. E ame, crie e desfaça quantas vezes for necessário, com toda certeza ter traçado meu caminho com Marie me gerou essa reflexão e que agora também faz parte de quem sou.
Fotografia: Beija-flor / Feito por Marie menor que um lápis
Autora: Beatriz Chiara
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