
Fotografia: Fátima Crist
Repensei os neologismos que usei para referir-me a você.
Titubeei e as falas que disse foram ditos que não falei.
O vento soprou meus cabelos e meus jeans quiseram ir.
A casa que lembrei no sonho só existe nos jornais.
A madeira é úmida e o cheiro,
O cheiro.
O cheiro é insuportável,
Sinto o mofo por dentro de minhas narinas
explorando os sensores aromáticos motores que tenho,
e agora sinto isso impregnado em mim mesmo.
Tentei sais de banho, benzimentos,
chuva curadora, melhora espiritual,
mas o cheiro de fungo ainda está em mim.
A micose já comeu-me os dedos,
as unhas, os fios de cabelo mais longínquos,
as tatuagens também já se foram,
como pode um fungo ser tão parecido com rato?
Da mesma maneira que nós parecemos insetos.
Não pense que está mais próximo das estrelas,
claro que não,
observe a idade que padece e veja as estrelas,
gigantes anãs de constantes explosões que sobrevivem
do caos da combustão irreversível, mas
ao mesmo tempo,
imparável a não ser que pare.
Agora veja os insetos:
feios, engenhosos, mas ainda feios,
nada bonitos, com asas horrendas,
líquidos saindo e entrando,
mudando de casca, metamorfoseando-se,
e veja bem com quem você se parece.
Os fungos com dentes de roedor
aparecem em meus piores pesadelos,
todas as noites eu sinto
o demônio repugnante, que
senta em minha barriga e me
impede de tudo,
me amaldiçoar com nomes
de cogumelos venenosos e de
violentas alergias micóticas.
A casa que me veio à cabeça aquele dia,
é horrivelmente arrumada por dentro,
mas o cheiro ainda é
o cheiro ainda é
insuportável.
respirar neste lugar é difícil
e minha irmã ainda conserva
o rosto de quando se sufocou
com os insetos que saíram
dos ovos que eu coloquei
em sua boca.
O louva-deus sempre foi
o meu favorito.
a estrela polaris queria mesmo
era ser um louva-deus,
mas quem disse que o
insetinho iria querer ser
daquele tamanho todo
e daquela quentura?
não iria, contou-me na
carta que escreveu terça
às cinco e meia da tarde
que o carteiro abelha veio
entregar-me.
Os pesadelos parecem ter voltado,
os remédios não fazem mais efeito.
E a barata de 1 metro e setenta sentada
com um estetoscópio em mãos me disse
para esperar que isso passaria.
Escritor: Pedro Sallum
País: Brasil
Redes Sociais: @sallumpe
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